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Foi um milagre esta visão de uma região unida e integrada, com um futuro partilhado,
mas os primeiros passos não aconteceram por acaso, foi preciso visão e coragem, o apoio do
continente e da diáspora, e a solidariedade internacional, para que tivesse sucesso, assim como
a perda de muitas pessoas do continente, principalmente jovens. Isso nunca deve ser esquecido.
Estes líderes arriscaram, com as suas vidas e com as suas economias, atrasando o
desenvolvimento nacional, ao investir os seus recursos no futuro. Alguns haviam conquistado
a independência e outros ainda lutavam contra o domínio colonial, o racismo e o apartheid,
mas a sua experiência partilhada lhes dizia que a sua independência não seria completa sem
a independência dos seus vizinhos.
A África do Sul do apartheid provou isso, atacando os países vizinhos com o seu poderio
económico e militar em defesa do privilégio e da prosperidade dos brancos. Muitas pessoas
morreram ou sofreram tortura e desejaram morrer, para não permitir que isso jamais
acontecesse novamente. Não pode haver dúvida do compromisso dos sul-africanos com os
direitos humanos, eles estiveram lá, sabem o que é, lutaram juntos em sua defesa e venceram.
Eles usaram armas e sabotagem e tomaram medidas defensivas, mas, principalmente, eles
usaram a estratégia, a diplomacia, a determinação e a solidariedade.
África Austral: Rumo à Libertação Económica. Ninguém tem ideia do quão esta declaração foi
corajosa e radical, a menos que tenha estado lá…mas podemos imaginar, se conhecermos os
factos e a situação vivida na época. E agora estamos aqui, em 2020, com uma região
integradora e um futuro partilhado, com todas as suas conquistas e desafios.
O local foi a Zâmbia, no início de 1980, quando o povo daquele país estava a sentir-se
aliviado de que o bombardeio e a destruição causados pela Rodésia parariam agora que o
Zimbabwe estava a ressurgir como um Estado independente, quando ambos os países foram
10 atacados novamente e continuaram a ser atingidos pelo poderio económico e militar do
apartheid na África do Sul, que sabotou as rotas de transporte rodoviário e ferroviário, infra-
estruturas de combustível e electricidade, e massacrava pessoas.
O Presidente da Zâmbia, Dr. Kenneth David Kaunda, depois de acolher o lançamento
da SADCC, em Lusaka, foi participar na celebração da independência do Zimbabwe pouco
mais de duas semanas depois, numa cidade então chamada Salisbury. Ele disse à multidão
ululante que “o impossível aconteceu”. O Presidente Samora Moises Machel disse que
Moçambique já estava independente graças à independência do Zimbabwe.
Outra impossibilidade ainda estava para acontecer uma década depois, com o fim do
sistema de apartheid na Namíbia e na África do Sul, pois esses líderes fizeram muitas coisas
impossíveis acontecerem nas suas vidas. O Presidente fundador do Botswana, Sir Seretse
Khama, e o Presidente fundador da República Unida da Tanzânia, Mwalimu Julius
Kambarage Nyerere, faleceram, mas o Presidente fundador da Zâmbia, Dr. Kenneth David
Kaunda, continua a ser um estadista ancião, aos 96 anos.
Até meados da década de 1970, a política regional de Pretória preocupava-se com as
tentativas de impedir as actividades dos movimentos de libertação que estavam a crescer em
força nos países vizinhos, bem como internamente. Nisto, estava protegido por Estados
“tampão” que incluíam as colónias portuguesas de Moçambique e Angola e a colónia rebelde
britânica da Rodésia do Sul, e pela sua própria ocupação da Namíbia. A política regional foi
direccionada ao reforço dessa barreira de Estados, através de várias alianças, tanto económicas
quanto militares. Botswana, Lesoto e Suazilândia (Eswatini) não eram considerados uma
ameaça, embora todos eles de facto proporcionassem o trânsito e refúgio essenciais aos
movimentos de libertação.
Moçambique era então um “território ultramarino” de Portugal denominado África
Oriental Portuguesa e um forte aliado do apartheid da África do Sul. Portugal era o país mais
pobre da Europa, controlado por uma longa ditadura de Marcello Caetano. Após 13 anos de
guerra nestes longínquos territórios de África, incluindo Angola e Guiné-Bissau, o povo
português e, em particular, as suas forças armadas, cansaram-se da guerra e, a 25 de Abril de
1974, o Movimento das Forças Armadas derrubou Caetano num Golpe de Estado violento
em Lisboa, tão popular que ficou conhecido como a “revolução dos cravos”.